__________ Itapema, suas histórias... __________

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

WEGA NERY, a esquecida da Ilhaverde

'WEGA NERY AUTO-RETRATO' - EXPRESSIONISTA ABSTRATO (46X64cm).

Fato é que minha escrita pouco se refere as coisas de Guarujá/SP. Creio ser a recíproca bastante verdadeira, uma vez que a mim (URBAIN G.) pouco dão crédito. Tanto mais relegado à condição de enteado-munícipe, ilhéu residente em ITAPEMA/SP (rebatizado Distrito de Vicente de Carvalho). Não encaro isso como karma, então não cometerei igual pecado. Abrindo uma exceção ao falar de Wega Nery, por apreço aos deserdados que nossa incorrigível Sede-madrasta é capaz de ignorar.
Wega Nery Gomes Pinto, nasceu em 10/03/1912, em Corumbá (MT). Após passar os primeiros anos de vida em fazendas do pantanal mato-grossense, a família muda-se para Bauru (SP) e Wega Nery enviada para a Capital paulista ingressa no Colégio Sion.
No início da década de 1930, conclui o Curso Ginasial. Estuda psicologia, pedagogia e didática. Torna-se Professora, mais tarde é nomeada Inspetora Federal de Ensino. Nesse período, retoma o hábito de desenhar e pintar de maneira autodidata.
Simultaneamente, escreve e publica poemas na Revista carioca 'O Malho' (Parnaso Feminino), sob o pseudônimo de Vera Nunes, isso em 1932.
['Auto-retrato Wega Nery' - grafite sobre papel]

De 1943 à 1945 passou mais de um ano hospitalizada, em decorrência de uma série de complicações cirúrgicas. Levando-lhe a utilizar o desenho como forma de distração, quando pintaria seus primeiros óleos sobre tela.
Em 1946, matricula-se na Escola de Belas Artes, em São Paulo, onde estuda com Theodora Braga. Tem aulas particulares com Renée Lefèvre e Joaquim da Rocha Ferreira. Nesta busca da vocação tanto os arredores da capital bandeirante, quanto os cenários das cidades do litoral paulista serviram de modelo ao pincel de Wega. Participa de sua primeira Exposição, a Coletiva da Associação Paulista de Belas Artes.
Foi numa conversa com Sérgio Milliet, consagrado crítico de arte, que Wega Nery enveredou definitivamente pela pintura:
"(...)Mas foi o Sérgio Milliet que fez com que eu resolvesse dedicar-me à pintura, e só a ela. Resolvi levar um dia alguns desenhos e também minhas poesias para que ele os visse. E perguntei qual o caminho que, achava, eu deveria seguir. Sérgio respondeu-me que eu transmitia mais pelos desenhos do que pelas poesias. E daí por diante abandonei a Literatura e fiquei só com a pintura. Não senti falta da poesia porque a pintura, para mim, tem muito de poesia e de música..."
'A MENINA DA TRANÇA' 1949 - ÓLEO SOBRE TELA (57X50cm).
'PAISAGEM DE SANTO AMARO' 1951 - ÓLEO SOBRE TELA (50X60cm). BAIRRO PAULISTA ONDE MOROU WEGA NERY.

No ano de 1950, ganha a medalha de bronze no Salão Nacional de Belas Artes. À convite da também pintora Alzira Pecorari, entra para o Grupo Guanabara, reunido em torno de Yoshiya Takaoka e integrado ainda por Arcângelo Ianelli, Ismênia Coaracy, Manabu Mabe e Fukushima entre outros.
"(...)Foi quando conheci o grande Takaoka. Ele achou que eu sabia pintar mas não conhecia o aproveitamento das cores. E então começou para mim uma fase importante, onde aprendi a desenhar tirando tudo da linha, realçando a linha, sentindo a figura. E aprendendo a usar as cores..."
Depois de um tempo no Grupo Guanabara, frequenta o Atelier Abstração, de Samson Flexor, produz então as primeiras obras abstratas de tendência geométrica.
"(...)No Atelier dele, desde o primeiro desenho me senti livre, na criação. Por outro lado, Flexor começou a organizar-me, comecei a sentir a disciplina do desenho... (...)Mas não demorou muito tempo a que eu me desinteressasse pela disciplina do Abstracionismo da mesma forma como havia me desinteressado pelo Figurativismo. Queria pintar coisas absolutamente livres.
A primeira Exposição individual ocorreu no Masp em 1955.
 'COMPOSIÇÃO GEOMÉTRICA' 1955 - NANQUIM SOBRE PAPEL (35X49cm).
'SEM TÍTULO' 1955 - NANQUIM SOBRE PAPEL (22X29,5cm).

A partir de 1961, iniciou sua série de pinturas informais chamadas 'Paisagens Imaginárias'. A artista contava que a primeira paisagem foi pintada depois de ficar algum tempo observando a cidade. Mas o que ela acabou pintando na tela seria o interior de si mesma.
"A primeira impressão que as telas causam são a do gesto amplo e violento. Mas uma inspeção mais atenta revela que este gesto aparentemente caótico se dá sobre um fundo de ordem cuidadosamente escondida. Pois é isto que caracteriza a essência do Romantismo: não é um movimento ingênuo, ou "vital", como ele próprio pretendia, mas é um movimento altamente sofisticado. Pois nessa cena que ameaça fechar-se, Wega Nery representa uma abertura. Propõe contra o estruturalismo formalizante e ao primitivismo acionante um renascimento do Romantismo em novo nível de significado. E assim creio que devem ser lidas essas telas, em contexto. São testemunhas do desespero que toma atualmente todo artista verdadeiro." - Villém Flusser (Agosto de 1968).
A obra da pintora pode ser vista na chave expressionista abstrata, informal ou, ainda, abstrato-lírica - termos importantes para o debate da Abstração nos anos de 1960, por meio dos quais a crítica opõe artistas de tendência estritamente geométrica, aos de orientação gestual. No trabalho destes últimos, entendia-se que a expressão efetiva-se por meio do gesto e, por isso, era valorizada a criação individual. No entanto, para Wega, a presença da gestualidade ocasional não descarta por completo a existência de um projeto.
  'VITRAL' 1960 - ÓLEO SOBRE TELA E MADEIRA (90X72cm). 
'PERSPECTIVAS' 1963 - ÓLEO SOBRE TELA (1,74X1,79m).

Na década de 1970, ao lado do companheiro Geraldo Ferraz (crítico de arte e escritor) estabelece-se em Guarujá (SP), cidade litorânea. Ali constrói residência na Praia de Pernambuco, com planta assinada pelo renomado arquiteto Gregori Warchavchik. A casa é batizada de "Ilhaverde", em alusão a um dos livros de Victor Hugo. É o local onde Wega produziu boa parte de seus trabalhos, tida como entidade pela pintora. Na qual recebia amigos para conversar sobre artes, próxima ao mar, em que gozou de sua vida doméstica. Essa casa emblemática serviu como um território de inspirações, resultando em produções oníricas e abstratas da artista. Nesse território imagético, a "Ilhaverde", encontrava-se no ápice de tão bem sucedida e extensa trajetória artística, que se caracterizou pela transmutação de linguagens pictóricas, entre as fases figurativa e abstrata de sua arte.
INTERIOR DA "ILHAVERDE" - RESIDÊNCIA E ATELIER DE WEGA NERY.

Para abordar mais especificamente o talento e a obra de Wega Nery, nos valeremos do senso crítico de Geraldo Ferraz. Além dos comentários de outros especialistas.
Em seus trabalhos desponta a condição, sua evidência de exceção. Atingindo uma "formulação exclusiva".
"(...)Crescera nos trabalhos de Wega, desdobrara-se, em sua preferência temática, aquela "formulação exclusiva", imaginária, simbólica, que nem sempre era admitida..." - Pela difícil aceitação do raro, das "paisagens que não existem".
"(...)Que Wega insistia em abordar, de quadro para quadro, numa ininterrupta obsessão criadora, emanada da convicção mais arraigada..."
Donde a continuidade em vinte anos de trabalho, as duas décadas que se ligam, dos primeiros desenhos das pedras às virtualidades inerentes à paisagem transfigurada, imagens que são decorrência da inteira entrega, no espaço-movimento, a topologia do onírico, pelo domínio do olhar e do gesto à avaliação dos condutores, que a segurança da fundamentação gráfica trazia informada, basicamente.
WEGA NERY - NOS PRIMEIROS ANOS EM SUA "ILHAVERDE".

"(...)Produto de uma consistência tirada do caos, singularmente complexa na dinâmica ou vertiginosa captação dos trechos maiores e dos fragmentos, a tornar o espaço viajável, hoje, cosmicamente viajável..." - Avalia inicialmente, Geraldo Ferraz no prefácio do seu livro, 'Wega Liberta em Arte', publicado em 1975.
"(...)de uma liberdade em plenitude do movimento apreendido, de uma certeza visionária acerca de como conduzi-lo, maiormente , ao manejo da espátula, na combinatória das matérias densas, logo avizinhadas a transparência incrivelmente obtidas, para o resultado final expressivo..."
O fim da Arte superior é libertar, pensava Fernando Pessoa em suas reflexões estéticas.
Pintura, portanto, exceção, exclusividade. Sobretudo, alheia à estrita observância gestual de um acaso, "ela espraia o sensível em sua insondável e desconcertante alteridade", categoria de uma cosmogonia.
'TARDE NA ILHA DO SOL' 1970 - ÓLEO SOBRE TELA (95X76cm) COLEÇÃO TAMARA WIRTH. UMA DAS "PAISAGENS IMAGINÁRIAS", DE WEGA NERY.

Consequência de uma fundamentação em resultado efetivo. Não de uma pesquisa, mas de uma cristalização: pintura original, única, livre de qualquer coincidência à uniformidade das modas de vanguarda.
"A consciencialização dos condicionalismos de qualquer forma de arte deve ser posta ao serviço da superação desses mesmos condicionalismos e não a uma submissão passiva e masoquista perante a sua inevitabilidade. Em arte como na vida." - Assinala Margarida Losa, e assim coloca a obra de Wega Nery na atualidade.

[Geraldo Ferraz - escritor e companheiro de Wega Nery]

Não se identifica, o primeiro esforço de libertação em Wega, escreve Geraldo Ferraz, em etapa alguma anterior, em que ela era considerada "diferente", nem mesmo naqueles óleos mais rigorosamente adstritos à geometrização, alheados a tema. Será necessário encontrar a Wega de antes, anterior a esta, nos desenhos produzidos a partir de 1954-55. São contudo transposição de imagens para a abstração, o tema, sem a denúncia referencial, não seria reconhecível, pois não passa de um agenciamento de manchas chegando à formas via texturas.
'ROCHAS' 1954 - NANQUIM SOBRE PAPEL.

"(...)Em 'Rochas', a concatenação de formas pode sacrificar a referência, tão abstratas estão estas pedras, quanto em si, na opção desqualificada, constituem abstrações." - Para identificar Wega na estrada de sua libertação, faz-se imprescindível deter nossa atenção primeiro para estes desenhos. Desvencilhado da diretriz ortodoxa da abstração, a qual Wega se recusava por insubmissão a expressão sob medida. É uma situação já inteiramente modificada nestes desenhos.
"(...)Por eles passará então o balizamento libertador - surgira alguma coisa de novo na gráfica brasileira.
Em alguns desses desenhos podia-se sentir a procura de uma estruturação original, em que um sentimento ainda carregado de limitações dava notícias de soluções próprias, advindas de um esforço de criatividade que reagia, em sua frágil maceração de linhas e texturações, para afirmar-se, autonomamente, capacitada a conquistar o seu espaço."
Estes desenhos de incisão inédita, enviados à III Bienal de São Paulo foram recusados pelo Júri de Seleção. Contudo, levados ao juízo crítico do Diretor do Museu de Arte, P.M. Bardi, ele os examinou, confirmou sua alta qualidade e acabou convidando a pintora para uma Exposição de seus desenhos, no Museu. Foi a primeira Individual de Wega.
  'CARNAVAL' 1957 - NANQUIM SOBRE PAPEL.

"Mais uma vez, portanto, uma artista deste século ia colocar-se diante do espaço em branco, para debater, em adstringente solidão, o problema fundamental da pintura - começariam humildemente numa linha em um ponto qualquer do papel, reincidente na lição de Kandinski, do ponto à linha, na Bauhaus."
Essa resolução íntima, pessoal, começou por um resultado ponderável: os trabalhos não aceitos na III Bienal e na afirmação que constituiu sua Exposição Individual.
"(...)para a predisposição artística de Wega, não conta um acaso ao traçar seus desenhos, adstrita a incidências no Abstracionismo Lírico e no Abstrato Geométrico, certamente, Wega seguia o conselho ambíguo de Heráclito - "se não esperas o inesperado não o encontrarás, porque é duro e difícil encontrá-lo."
Que é então que devia fazer após este passo importante? Afinal, embora a recusa dos trabalhos naquela Bienal, este novo traço era a descoberta duma expressão gráfica inédita.
"Cabia insistir na perquirição do desenho, mais e mais, visando a toda extensão da estrada aberta, porque havia feito alguma coisa de novo no plano gráfico, e embora a crítica de arte, pela precariedade que lhe era inerente, não o pusesse em relevo - persistira, como que instintivamente orientada para uma procura em escalada." - Atitude essa sine qua non para o amadurecimento artístico.
[Wega Nery no esplendor da Arte]

"Que renderia o desenho em folha maior, numa paginação bem mais ampla? O esforço libertador não conta, porém, apenas, com o sucesso de Exposição, coroando a possibilidade técnica expressada.
Havia de passar pelo sofrimento e Wega, naquele período, exatamente, achava-se em solidão: ela e seu filho, um adolescente. Dessa solidão é que vai sair o impulso vital de uma artista que até então só conhecera dores físicas; até a borda da inconsciência, ao permanecer pregada ao leito por dois anos. Agora enfrentava o amargor da solidão, entre o irreparável e a Arte. - A confirmar, sobretudo, ser o artista produto de sua vivência pessoal, acrescida da experiência estética.
"(...)Então se deu a libertação sobre essas folhas de papel em que o nanquim, obsessivamente, iria perseguir uma formulação no espaço, tirada do mundo interior. Este é o período de sedimentação, realmente, Wega antes de Wega, uma angustiante dialogação com o Abstrato, e, na sua expressão original, oposta ao teórico, ao visto, a toda tradição, escolas, mestres. Temos de imaginá-la, no seu ascetismo criativo, entregue apenas a ordem perceptiva visual, tecnicamente servida pela mão habilitada a dominar o traço mediante o comando do olhar, para fazê-lo visível. O ser humano que efetuava essa didática descobridora a ela se entregava totalmente ungida pela imaginação." - Dentro daquilo que se propôs a própria pintora, criar livremente. Fez-se assim como ressalta o crítico, original.
 'RITMOS' 1957 - NANQUIM SOBRE PAPEL.

"(...)O desenho Abstrato de Wega, decorrência daquele que lhe valeu a Exposição no Museu de Arte, nesse período de amarga solidão, é um desenho que se sustenta, unicamente, por sua força em grimpar as escarpas do imaginário. Poderemos, seguramente, lhe atribuir algumas, mesmo, numerosas figuras geométricas, mas sua projeção, seus tensos pontos de interesse, paralelas às vezes desafiantes, outras, declinações que vão fatalmente para a labilidade, não pertencem ao caráter da premunição. Vieram aí comparecer, somar-se, na perquirição destituída de arranjo pensado, recusam-se a ser alguma mensagem sempre fácil na acumulação de linhas, na tessitura de semi-esferas, nas diagonais, em oblongas solicitações de limite." - Embora neste viés abstracionista se afigura remodelado, emergindo em nova imagem.
"(...)O indescritível toma conta desses espaços, mas não nos deixemos enganar por uma perigosa insinuação: nenhuma fuga se faz possível mediante essa concatenação árdua e continuada de desenhos metafóricos. Ao desvelar o panorama de solidão amargurada em que foram traçadas, estas texturações adquirem e adiantam muito mais do que a sua expressão imediata pode revelar ao comentador crítico que não se restrinja à superficialidade de avaliar uma produção de condensações tramadas sutilmente, como virtuosismo de traço e orquestração dos seus conjuntos espiralados." - Dado seu caráter inovador e singular que impele o olhar à descrição da visagem.  
'FRASE' 1957 - NANQUIM SOBRE PAPEL (70X80cm).

"(...)No seu exame, não encontramos a uniformidade que uma produção contínua poderia ter deixado imiscuir-se de um para outro exemplo; o temário, igualmente, se faz arbitrário e disponível a toda sugestibilidade, na contemplação individuada. Aqui cada resultado é em si um ponto de partida quanto um desdobramento, e muitas vezes uma reflexão em meio..." - Não se basta também as ilações conceitudamente teóricas do universo das Artes Plásticas.
"(...)Mas não se enquadra em grupos, tais ou quais. Adquire bastante da imponderabilidade do delineamento anterior com se foram apenas elementos essenciais indefiníveis, que a artista adiantou para não referir  sua contenção, no pudor de não constranger nada a ninguém. Uma perturbadora delicadeza, portanto, capaz de tocar alguém acostumado a ver obras de arte..." - Observa o crítico Geraldo Ferraz, sobre a natureza dos desenhos de Wega Nery.
"(...)Essa necessidade de contemplação, mais prolongada, é  um dado essencial para uma aproximação suficiente de toda criação que participe de uma experiência transcendental, como pela primeira vez aparece abordada nos trabalhos de Wega. Insistindo, então, em seu desenho, a pintora vai alcançar um repertório pleno de possibilidades. Estas linhas caprichosas entre a fantasia e a procura da metáfora distendem um roteiro de descobertas."
WEGA NERY - PINTORA BRASILEIRA.

Na IV Bienal, para representação brasileira de desenhos, três dos trabalhos resistem à tendenciosa seleção do Jurí; denomina-se 'Carnaval', 'Ritmo' e 'Frase'. Inicialmente, é evidente, não tinham nome algum. A escolha do primeiro título tematicamente reage a situação de solitude, trocando-a por uma equivalência de vivência em massa, mas se trata apenas de uma palavra para encobrir essa resistência em si mesma - por que não um carnaval, que determina entrega à total embriaguez dos sentidos e à envolvência da massa humana, no fluxo que percorre a rua? - este como outros desenhos fazem o recenseamento intenso e minucioso dos caminhos, dos roteiros, das raízes e da abstração. Tem que ver, simbolicamente, entremeados de agitação que se distribui em articulações vivas, que desaguarão no seu inédito Expressionismo Abstrato. Os quais têm a função como delineamento de sustentação do discurso. Busca essa que se afigura, ao fim das séries - vão até 1961.
"(...)Como uma fase inteira que é, agora vemos, retrospectivamente, preparatória de um acontecimento, a entrosar-se numa atualidade das artes visuais, mediante uma providência consequentemente lógica, numa revivescência do antiquíssimo método gráfico de investida no imaginário." - A artista abre o campo, está na orla de um terreno desconhecido, vastos e estranhos domínios.
'REFLEXOS' 1958 - NANQUIM SOBRE PAPEL (64X48cm).

"Retoma Wega, como no caso de todos os artistas marcados pelo estigma da originalidade, o problema da criação a desdobrar de um marco zero - deflui de uma consideração intuitiva em profundidade menosprezando o ensinado e o conhecido, alvitrando por conta própria uma solução condicionada em poderes a arrancar de quanto se fez arte, até o momento, de quanto conseguiu ser expressão..."
Provindo as informações de áreas díspares quais o Expressionismo e o Abstracionismo acrescentará Wega também, a gestualidade, como contribuição técnica, portanto nem tão ocasional, a elaboração imaginária.
"(...)Por enquanto, o desenho que nos ocupa apenas adianta alguns dados que autorizam estas deduções. O desenho baseou a conscientização das possibilidades de uma pintura que ainda não poderia ser esboçada." - Salienta Geraldo Ferraz, demorava-se Wega em ver o quanto lhe proporcionaria aquele desenho que, afinal, surgiria reconhecido pelo Jurí Internacional da IV Bienal:
"A linha mais bela do mundo" - Declaração de Ludwig Grote, advindo do Museu Nacional de Nuremberg para presidir ao julgamento da Bienal em São Paulo.
Com uma primeira Exposição no Rio de Janeiro, então, a sua terceira Individual - na 'Petite Galerie', a artista foi surpreendida com a Láurea. Na Mostra apenas um cidadão italiano viera, ao último dia, à noite, adquirir um desenho.
O Prêmio adquiria uma significação especial - um mínimo de desenhos havia passado pela seleção, e era pela segunda vez que Wega Nery participava da Bienal. De Viena, manifestou-se imediatamente o interesse da Coleção Albertina. No Museu de Arte Moderna também se ostentavam noutra Exposição os desenhos de Wega. O crítico Osório César escreveria no jornal 'A Gazeta' (12/09/1957):
"(...)Uma das mais destacadas representantes do desenho abstrato no Brasil." - Estava consolidado o talento de Wega Nery, a qual surgira, como vimos, para o mundo das Artes Plásticas sob o signo da polêmica.
'ABSTRATO' 1957 - NANQUIM SOBRE PAPEL (67X41cm).

"Entretanto, o desenho era um processo libertador na conquista da expressão de Wega. A perturbadora dinâmica a que atingiram certos exemplares de seu desenho em 1957, da conformação mais densa à mais evanescente no seu amontoado de consistências, num caso que nem noutro leva-nos a admitir a admitir que a pintora, que se transviara por este caminho - há preferências críticas que caracterizam a técnica do desenho dominada pelo sentimento, como outras há que estabelecem suas fontes num predomínio intelectual - mergulhou em profundidade nas possibilidades da trama, "compondo", até onde era possível, desprezando, alhures, qualquer noção de composição, para só marcar trajetos arbitrários, ou de uma fulguração, ou de um jogo prismático em escalada, nas últimas consequências, em uma das derradeiras tentativas - 1961."
"(...)Sem uma conotação predominantemente, intelectualista ou sentimental, a insistência na área desse desenho e sua continuidade por assim dizer "temática", não obstante permanecer abstrata, inclinamo-nos a ver nestes produtos de arte uma antecipação elaborada para a organização futura de formas que viriam a invadir um repertório diferenciado - não mais o traço do nanquim sobre a epiderme do fabriano, mas cores e formas que chegariam à utilização daquele desenho, inconscientemente premeditado para servir a outra função."
"Daí tais desenhos não foram, contudo, simples exercícios... (...)concretamente, articulam-se em obras de arte, autônomas, relacionadas por um fio condutor sutil e, entretanto, poderoso. e que jamais perdeu sua vitalidade ao passar de uma experiência para outra, objetivamente dotados de uma linguagem  clara e sensível, estão longe de constituir, os desenhos das fases de 1951 a 1961, projetos para os quadros que virão, imediatamente, depois..."
WEGA NERY - ARTISTA PLÁSTICA LIBERTA EM ARTE.

Provindo, porém, desse mosaico de estímulos de que dispunha a artista, os elementos organizadores da forma determinaram, longamente, a sua experiência nas abstrações.
- Não sou uma desenhista. - Diria um dia Wega. - Eu sou pintora, por que continuo insistindo nestes desenhos?
"Já estava então fundamentada uma ponderável experiência. Daí por diante, a caracterização daquelas tessituras desenhadas deveria impor uma outra expressão exteriorizante..."

O CAPÍTULO CONTINUA...

domingo, 1 de setembro de 2013

A SÉTIMA ARTE EM ITAPEMA

COMO EM TODO O BRASIL, ITAPEMA/SP ASSISTIU O FECHAMENTO DE SUAS SALAS DE CINEMA.

Houve tempo que apesar do reduzido número de habitantes, ITAPEMA/SP tinha certa diversidade de entretenimento. Não era incomum danceteria, casa de show e bares com música ao vivo no centro.
Já tivemos ao longo de décadas alguns cinemas. Ainda remotamente no bairro da Bocaina, havia o Cine '15 de Abril', com endereço à Av. Beira-mar.
Nota [à esquerda] do jornal 'A Tribuna' (final dos anos de 1910) informa o programa deste antigo cinema. Num determinado dia apresentaria o Drama 'Sacrifício e Honra'. Estrelado por Irene Riche, Pauline Garon, Willard Louis e Albert Roscoe. E na próxima quinta-feira exibição do filme em séries 'O Mysterio do Diamante Esperança'. Outro registro de cinema nesta localidade, é do Cine 'Bocaina' pela década de 1930.
Em 1951, inaugurou-se o Cine-Teatro 'Itapema', o chamado "Cinema Grande", pertencente ao Sr. José Nunes, na Av. Thiago Ferreira, 21. Ali próximo ao Terminal de ônibus 'Nelly Peyres Sobral'. Praticamente o prédio ficava na esquina da Rua Leonilópolis (atual Av. Presidente Castelo Branco). Construído em Art Decor, tinha o piso quadriculado preto e branco, além de mezanino acomodando uma platéia suspensa, conforme se recordam antigos frequentadores. Conta Luís Miguel Rubido Casás, "a porta da direita do prédio era do bar e da bomboniere do Emílio. Também tinha dois acessos: para os clientes da rua e para os espectadores que já tinham adentrado o hall e se preparam para assistir algum filme."
  CINE 'ITAPEMA', O CHAMADO "CINEMA GRANDE". INAUGURADO EM 1951.

O filme de estréia do Cine-Teatro 'Itapema' foi 'A Princesa da Selva', 1936, EUA, (Jungle Princess), Aventura, com Dorothy Lamour, Ray Milland e Akim Tamiroff.
Filmes clássicos do cinema mundial, fitas de Mazzaropi, desenhos animados foram exibidos em sua tela grande. Era costume as famílias irem aos finais de semana assistir as matinês e sessões noturnas... Antonio Bastos lembra-se de ter visto acompanhado dos pais e irmãos, a primeira versão de 1933 para o filme 'King Kong'.
Há quem aproveitasse a ocasião com o intuito de também ganhar alguma grana. Como o garoto Elias Costa Costa, que vendia cocada e tapioca em frente ao "Cinema Grande".
Dados dos anos 60, extraídos do 'Blog Cine Mafalda' mostram os seguintes números sobre o Cine 'Itapema':
Lugares: 1.116 Média Anual de Sessões: 394 Espectadores: 29.084 Projetor: 35 m/m. Arnaldo Nascimento e Guilherme trabalharam como projecionistas à época.
Sendo uma das poucas diversões no Distrito, para ver o filme do 'Zorro', o menino Maurício Ferreira Carmelo Ferreira como o pai tinha dinheiro mas não lhe deu, contrariado foi à Praça da "Fonte Luminosa" engraxar sapatos e assim comprar o bilhete de entrada. O que custou-lhe uns safanões pela desobediência.
Inclusive, o Cine 'Itapema' não se prestava somente a condição de cinema. Em suas dependências foram realizadas diversos bailes de carnaval, festas e shows.
Seria demolido em meados dos anos 70 para assentamento da linha férrea da RFFSA cruzando Itapema/sp.
  O CINE 'ITAPEMA', NO DISTRITO DE VICENTE DE CARVALHO, FOI DEMOLIDO EM MEADOS DOS ANOS DE 1970.

Outra sala de cinema existente foi o Cine 'Avenida', localizado na Av. Thiago Ferreira Nº 136. Que funcionou à partir de 1950. Proprietária a Srª Rosa Dias. Nesse período aconteceram também apresentações de peças infantis. Vejamos dados dos anos de 1960, obtidos do 'Blog Cine Mafalda' referentes a expressiva movimentação do Cine 'Avenida':
Lugares: 306 Média Anual de Sessões: 416 Espectadores: 17.623 Projetor: 35 m/m.
Depois seria vendido e rebatizado com o nome de Cine 'Estér', endereço atualizado: Av. Thiago Ferreira, 696. Administrado pelo Sr. Michel Hulli (o popular, "Careca"). Muito frequentado pelos casais itapemenses pra namorar no escuro.
FOTO TIRADA EM FRENTE AO CINE 'AVENIDA' (CINE 'ESTÉR') 1959.

Era Lanterninha o "Negão Veludo", ele sempre surgia das sombras pra botar na rua os penetras, que pulavam o muro do Centro Espírita 'Santa Emília' (ao lado) e entravam pela Porta de Emergência, querendo assistir as sessões.
Quando a projeção falhava, mudança de rolo, instabilidade horizontal, fora de foco, a platéia tirava o sarro do "Careca" e seus profissionais dentro da cabine de operação. "Charuto" era um deles. Trabalhou como Zelador o Seo Alfredo.
O cinema serviu de referência ao universo dos garotos do Itapema. Antes do início das matinês a molecada trocava e fazia venda de gibis.
No Cine 'Estér' tive meu primeiro contato com a Sétima Arte. Ainda que a maioria das produções em cartaz fizesse parte do circuito comercial (exibidos com defasagem) e Filmes "B". Era o auge das películas de Artes Marciais. Na saída das matinês as latas de lixo e postes sofriam, tomados que estávamos pelas proezas de Bruce Lee e Cia. Naquelas duplas sessões vi pistoleiros incríveis, monstros magníficos, fuscas extraordinários. Eis alguns títulos dos quais me recordo dentre tantos:
'King Kong', 1976, EUA, Aventura, Direção John Guillermin, com Jeff Bridges e Jessica Lange. 'As Novas Aventuras do Fusca', 1974, EUA, (Herbie Rides Again), Infantil, Direção Robert Stevenson, com Stefanie Powers. 'Comboio', 1978, EUA, (Convoy), Aventura, Direção Sam Peckinpah, com Ernest Borgnine e Kris Kristofferson. 'Resgate Suicida', 1979, Inglaterra, (Folkes), Aventura, Direção Andrew Maclaglen, com Roger Moore, James Mason e Anthony Perkins.
Que coisa fantástica eram as ovações extasiadas, quando o herói recobrava-se de um golpe fatídico e partia para a vitória. Puro furor foi assistir a Ursula Andress ser "devorada" por olhares juvenis em 'A Montanha dos Canibais', 1978, Itália, (La Montagna del Dio Cannibali), Aventura, Direção Sérgio Martino, com Stacy Keach.
Uma única vez deparei-me com algo diferente. Creio que foi mero acaso, nem o exibidor se deu conta. Colocara apenas para completar a Sessão. Depois vim a reconhecer como "Filme de Arte".
Era a produção italiana 'Una Giornatta Particolare', 1977, (Um Dia Muito Especial), Drama, de Ettore Scola, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni.
Nunca esqueço também das trilhas sonoras que tocavam antes da Sessão, dos pôsteres espalhados pelas paredes. Logo em seguida ao apagar das luminárias projetavam-se trailers, documentários. Sempre que lembro do Cine 'Estér' me vem a mente um desses sobre rinhas de galo ou ainda, os jogos do 'Canal 100'.
Já crescido e com a sensação de ser adulto estreei no universo proibido dos filmes eróticos nacionais: 'Mulher Objeto'. 1981, Bra, Direção Silvio de Abreu, com Helena Ramos e Nuno Leal Maia. 'Aluga-se Moças', 1982, Bra, Direção Deni Cavalcanti, com Gretchen e Rita Cadillac. 'Erótica, a fêmea sensual', 1984, Bra, Direção Ody Fraga, com Matilde Mastrangi. E o sofisticado 'Rio Babilônia', 1983, Bra, Direção Neville D'Almeida, com Jardel Filho e Christiane Torloni.
Seguido do "boom" das produções pornográficas brasileiras. Foram tantas, cujos títulos embaralham-se na minha memória.
O Cine 'Estér' resistiu bravamente às novelas e vídeo-cassetes até a metade da década de 1980.
Bons anos mais tarde  em que esta sala foi extinta surgiu o Cine-Teatro 'Milenium', no entrocamento da Av. São João com a Santos Dumont Nº 1016, exibindo fitas de sexo explícito e strip-tease ao vivo. Uma proeza para uma cidade sem zona de meretrício, e que bem a pouco conheceu in loco comércio sexual, com os pioneiros travestis atendendo solitários caminhoneiros que aqui chegam de todas as regiões do país... Mas o cine pornô não durou, foi uma ejaculação precoce. Raras não foram as vezes, que donas-de-casa enciumadas foram buscar seus maridos aos tapas, sobrando até para a stripper.
Efêmero foi também o Cine 'Guarujá', na Av. Santos Dumont Nº 957. Trouxe muitos lançamentos se que o itapemense necessitasse mais migrar para a vizinha Santos, nem deslocar-se ao centro da Sede atrás de estréias do ano. Todavia, desligou o projetor. Seu proprietário alegava prejuízos.
Confirmando uma tendência, que se disseminou por todo o Brasil, do fechamento dos "cinemas de rua" passando a se instalarem nas reduzidas salas de shoppings.